sexta-feira, 5 de abril de 2019

Wake up, Natália, open your eyes




Despertar

Às vezes acordo de um sono profundo.

Um sono profundo que distorcia minha visão. Que me fazia insistir em coisas que não eram para mim. Uma névoa embaçava minha vista, deixando-a turva, apagava o que eu deveria enxergar e deixava somente o que eu queria ver. Minha intuição é meu terceiro olho. Não deixa nunca que eu mergulhe profundamente em águas que não são para matar minha sede e, sim, para me afogar. E eu sempre salto, salto do alto de olhos fechados. Porque o mal pode ter sono leve, mas quem me protege não dorme nunca.

E eu desperto, dando um pulo na cama. Coloco meu café na xícara. A sensação é de flutuar. Pensamentos mil. Cabelo bagunçado. O chão da cozinha está gelado. Parece um dia qualquer. Parece uma manhã ordinária de uma semana aleatória de abril. Mas é como se eu usasse os olhos pela primeira vez fora da Matrix.

Olho para a linha do horizonte, a cegueira branca foi embora, enxergo mais nítido, as cores estão mais vibrantes. Agradeço por mais um dia, agradeço por estar de pé, agradeço por acordar.

Agradeço pelo DESPERTAR. 

Wake up, Natália, open your eyes. This is the end of your lucid dream. Best regards, Life Extension.

sexta-feira, 29 de março de 2019

Questões que ecoam

Ontem fui questionada: por que você quer ficar sozinha? Com um tom quase que de intimação.

Às vezes é difícil para as pessoas entenderem esse meu gosto peculiar por minhas próprias esquisitices. É que se não for para estar com alguém que acrescente, eu prefiro estar sozinha. 

"Do que você gosta?" "O que você faz?" "Quem é você?"

As perguntas ecoam o tempo todo e você tem que ser sintético. Resumir a si próprio para os outros como se fosse um currículo. Eu gosto de tanta coisa. Cheiro de grama é uma coisa que eu gosto, mas isso não é algo que colocamos no currículo. Eu gosto de quando o céu fica limpo, durante a noite, e bate uma brisa fresquinha no rosto. Gosto de andar meio sem rumo, por aí, pensando na vida. Gosto quando chega de madrugada e fica um silêncio gostoso e eu posso ouvir melhor meus pensamentos. Gosto de brigadeiro de panela, batata frita e de pipoca amanteigada. Mas se eu disser todas as essas coisas, será que passo na entrevista? Eu não quero saber uma lista do que as pessoas gostam ou não. Eu quero que elas me mostrem, que em uma conversa aleatória confessem gostar de ouvir Roupa Nova e de misturar sorvete com batata frita. Em uma caminhada no parque, confessem gostar de cultivar violetas em vasinhos coloridos ou de abraçar cachorros de rua.

Eu gosto de como tudo é simples e flui. Gosto de conversar com pessoas e não precisar me esforçar para manter a conversa, que haja interesse mútuo por assuntos diversos, sem restrições, sem pressa, sem cobranças, um monte de tudo e de nada, para o rumo que quiser seguir.

"Mas o que você faz da vida?" Tem dias que papel de trouxa, tem dias que papel de babaca, mas sigo tentando buscar um equilíbrio. Que nunca vem, pois hora ou outra me distraio com uma borboleta, com uma notícia ruim ou com uma mensagem no celular quando estou atravessando a rua movimentada de carros. Ah, você quis dizer, para sobreviver? Eu faço poemas, faço cartas, faço declarações, a maioria delas a mim mesma, pois julgo dentre todos ao meu redor que sou a mais merecedora.

Se não for para ficar sozinha, que seja com alguém que entenda que eu preciso ficar sozinha, frequentemente, pelo menos uma parte do meu dia. Que seja com alguém que não cobre que faça as coisas, pois se não fizer de forma espontânea, não vai valer a pena. Alguém que escute o que tenho para dizer e tenha coisas para me dizer, mesmo que aleatórias sobre algo cósmico no universo, o desempenho das formigas no inverno ou a previsão do tempo. Alguém que seja inteligente e dinâmico o suficiente para se sentir seguro para falar de assuntos relevantes e de coisas cotidianas. Que não se sinta menor por não saber algo e nem arrogante por saber. Eu sou uma romântica das antigas, que gosta de ler poesia, falar de constelações e assistir comédia romântica. Mas essa sensibilidade não é para todos. Essa sensibilidade não é para quase ninguém, arrisco dizer (e só digo quase para não dizer "nunca"). Gente de verdade que te dê o espaço necessário, mas não te deixe ir embora. Principalmente: não me deixe ir embora ao menor sinal de crise. Porque eu vou. Eu não insisto em coisas que considero fadadas ao fracasso principalmente se o outro lado não se importa. Se alguém não se importa, por que eu deveria? Eu me importo com quem se importa, eu trabalho com reciprocidade, por isso nessa vida foram poucas as vezes que sofri com a falta dela: costumo bloquear sentimentos quando vejo que não existe reciprocidade e isso é maravilhoso, evita muita dor de cabeça e agrega noites de sono.

E persistem na pergunta: "Por que sozinha?"

E eu insisto na resposta: Porque tudo isso que eu mencionei aí em cima não existe e, se existir, geralmente existe na pessoa que não tem a mínima química. Porque tem esse porém: química, a química dita a maior parte das coisas. Se tem choque quando toca a pele e eletricidade quando chega perto. Se não tem, não tem. Não é uma coisa que você adquire. 

O principal é: não gosto de questionários. Eu trabalho fazendo questionários todos os dias e isso mede conhecimento concreto. Questionários não funcionam para questões da vida, essas questões são complexas, mudam todos os dias. Eu já não sou quem fui ontem e amanhã não serei quem sou hoje. 

Por que responder um questionário?

Eu quero o mundo todinho. Se puder ter alguém ao meu lado, ótimo, que acrescente e cresça comigo. Se não, eu prefiro o aconchego da minha solidão, que é macia e tem cheiro de bolo saído do forno. É preciso ser muito, muito mais para competir com isso.